O MATA GATO.

Havia um homem que viveu nos meus dias de criança em Codó [MA]., que tinha a estatura de Absalão: alto, forte, sem defeito; era admirado por sua força, notável por seu tamanho e longa cabeleira; por isto era conhecido pelo codinome de “peito de aço”.

Não sei ao certo o que de fato aconteceu a este homem, que de admirado tornou-se abandonado, discriminado pelo povo, em consequência da sua degradação social levada pela entrega ao alcoolismo.

Sem dúvida imagino ter sido o amor. Sim, o amor traz felicidade e tudo que é de bom, mas quando mal vivido em virtude de algum desgosto, perde-se o foco, estragando tudo.

Embriagado, desempregado, abandonado, menosprezado, vivia agora o exilado “peito de aço”, caído pelas calçadas do mercado. Ninguém mais lhe dirigia a palavra. Ele por sua vez sentia falta das rodas de amigos, onde exibia sua força – derrubando qualquer um na cana de braço; mas não tinha mais quem quisesse com ele levar uma prosa.

Ele abordava as pessoas tentando um diálogo, mas era em vão – e foi quando criou sua própria abordagem, usando um tipo de dialeto meio espanholizado, mais ou menos assim: “ditas quem tu enas, que eu dito quem eu sonas” [interpretando: diga quem você é, que eu te digo quem eu sou]. Não obtendo nenhuma resposta, como sempre, pois era ignorado, ele mesmo respondia: “Eu sou o mata gato, peito de aço, seu criado”.

Nota-se que houve um acréscimo em sua logomarca – “peito de aço”; uma frase – “mata gato”. Segunda a lenda, presume-se que ele ao rumo de tentar suicídio, pelo grande amor perdido, encontrou pelo caminho um miserável gato nas piores condições que a dele. Imaginando o tamanho do sofrimento daquela criaturazinha, visto pelo seu estado de saúde, fome, nudez; e, sem saber tomar uma cachaça que poderia amenizar suas dores, resolveu ajudar a infeliz criatura em seu tormento irracional, tirando assim a vida do pobre e infortuno gato.

Em Codó, cidade altamente idólatra em macumba, quem matasse um gato era visto com discriminação religiosa. Então, para sua infortuna boa vontade de salvar um gato da mazela do sofrimento; inclusive, a razão dele não ter tirado a própria vida, pois dizia ele, que este ato de boa aspiração samaritano, o levou a saber suportar resignado o seu estado de vida.

Dessa forma foi-lhe acrescentado mais um pecado na sua grande lista de desprezo do povo, o de: “mata gato”. E, mais uma vez conformado aceitou o título inoportuno –  “mata gato”; acrescentando-o ao que já tinha nos bons tempo, com grande orgulho – “peito de aço”.

Que fim se deu a este homem? Um certo dia qualquer da semana, não se sabe, do mês também, não. Do ano já ninguém lembra. Caído meio corpo na calçada, meio corpo na sarjeta. A hora não se sabe ao certo, mas não passava das 9 da manhã; totalmente embriagado, tentava mais uma vez, só mais uma vez, conseguir um diálogo com alguém; quem sabe, um conhecido,, mas os passantes faziam questão de não se fazer lembrado, pois sentiam-se constrangido. E, com os olhos quase se fechando, fraco, doente, fez sua incomparável abordagem: “ditas quem tu enas, que eu dito quem eu sonas”. Começando a fechar seus olhos para sempre, respondeu pela última vez num sussurro: “Eu sou o mata gato, peito de aço, seu criado”. Morreu, mas não desistiu de tentar uma reconciliação com seu povo.

Enterrado como indigente, não teve lapela em sua sepultura. Ele foi esquecido para sempre. Talvez eu tenha sido a única pessoa neste mundo a lembrar sua memória após quase 60 anos da sua morte. Talvez Deus queira me dizer: [1 Sm. 2: 6-8] Deus faz morrer e faz viver, faz descer ao abismo e dele subir. Deus torna pobre e torna rico, ele humilha e também levanta. Ele ergue da poeira o fraco e tira do lixo o indigente, fazendo-os sentar-se com os príncipes e herdar um trono glorioso.

Se vê plenamente confirmada com as palavras do Jesus Crucificado: “perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34)?

[Por: Luiz Clédio Monteiro – ago/2017].

PS – Esta lembrança me ocorreu quando dirigindo de volta para casa ainda em jejum as 7:30. No dia seguinte fui severamente contestado pelos meus filhos. E, ouvi coisas horríveis. Devo agora até morrer, tentar uma reconciliação. Deus estava me preparando o coração.








  


1 Comentários

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  1. Tenho uma vaga lembrança de mata gato e do seu bordão, que de vez enquanto me vinha à cabeça de uma maneira tosca,mas Marcante.
    De uma coisa você pode ter certeza que os esquecidos pelo mundo são lembrados por Deus.
    Nunca pensei em minha vida de ver o meu irmão Luis Carlos entrar na igreja de braços dados com a linha filha Cristiane e ver que tudo acabou bem, sem ele ter nunca dado nada,feito nada, mas acredito que não teve o coração impuro, porque em vida foi Perdoado por todos, e tudo acabou bem como uma incrível novela dirigida por Deus.

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